AMOR, ECLESIALIDADE E TRANSCENDÊNCIA

Lembro-me, com uma certa saudade, do respeito e do admiração que eu tinha por aquele sacerdote que, com clareza e profundidade, nos encantava a todos com suas palavras e reflexões nas celebrações em que ele presidia. Na época, com apenas 10 anos de idade, eu já dava os primeiros passos na minha caminhada de engajamento na Igreja. Mons. Expedito Silveira era e sempre será um dos maiores oradores que já passaram por esta terra de Bom Jesus dos Navegantes. Tive o privilégio de conhecê-lo e escutar as suas homilias que nos faziam ver e contemplar com mais acuidade a pessoa de Jesus Cristo(...)

Naquelas homilias, no exemplo de vida cristã que sempre presenciei no seio de minha família e posteriormente na fonte perene e incomensurável da literatura, de cunho religioso e histórico, comecei meu enamoramento com a Igreja. Muito mais do que uma simples pertença, trata-se de um amor que foi se solidificando e cada vez mais foi ocupando uma parcela significativa de minha vida. A Igreja, apesar das rugas de nossas mazelas e limitações, sempre foi para mim "Mater et Magistra", mais Mãe do que Mestra. Sempre acreditei na importância do sacerdócio, na presença misteriosa de Jesus em cada sacramento, no exemplo de tantos mártires que derramaram o seu sangue pelos ideais do Evangelho e principalmente, na Eucaristia, presença real de Jesus, não apenas como memorial, mas sobretudo como expressão de partilha e compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Amo esta Igreja, mas acima de tudo amo o projeto corajoso e revolucionário de Jesus Cristo. Jesus não pregou a Igreja, nem a si mesmo, nem a tradição dos antepassados. Ele anunciou o Reino de Deus que está iminente e que já se encontra em nosso meio. A Igreja deve ser como uma vela acesa. O que ilumina é a chama, não a vela. A vela é suporte para que a chama queime, irradiando luz e calor. A vela é a Igreja, a chama é Jesus e sua experiência fundadora. A Igreja existe em função deste Reino e não vive-versa. Infelizmente, muitos de nós confundem esses conceitos.

Tornar esta Igreja uma comunidade viva, cada vez mais profética, descentralizadora, missionária e atuante nas realidades desafiadoras do mundo pós-contemporâneo é o desafio premente que nos é apresentado. De que forma sou Igreja ou vivo a minha eclesialidade nas várias circunstâncias e situações do dia-a-dia? A minha experiência de ser Igreja me leva a uma verdadeira transformação interior e engajamento pela justiça e pela paz ou representa apenas um momento de consolo, comoção ou puro fetiche? Leonardo Boff, teólogo e escritor, disse certa vez: "Podemos até, com a religião, pecar contra Deus, e pela religião afogar a espiritualidade". Talvez seja a hora de repensar nossas convicções e conceitos.

Nossa relação com esta Igreja, comunidade de comunidades, não deve ser de subserviência infantil ou cega, mas de diálogo criativo e comunhão. Todos nós somos sujeitos da evangelização e portanto, partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Jesus Cristo. Leigos, clérigos e religiosos constituem o "tripé" do processo dinâmico da evangelização, não numa relação de poder mas de estreita ligação e sintonia. Qualquer outro tipo de eclesialidade está fadada a uma estagnação.

Quando vejo a vivência eclesial e a resistência das comunidades, dos leigos/as de todo o Brasil, dos presbíteros e bispos que entenderam a sua missão e se doam inteiramente como pastores pelo seu rebanho, entendo o que é ser Igreja e passo a amá-la mais ainda. É hora de transcendermos as paredes do templo, ampliarmos os seus limites e nos tornarmos parte integrante deste edifício espiritual. O universo, na realidade, é o grande templo de Deus. Deus está em tudo e tudo está em Deus, tudo se reflete em Deus. A Igreja deve, portanto, estar viva dentro de nós e através de nós, não apenas como uma instituição repleta de dogmas e ritos, mas como uma maneira completamente nova e sagrada de ver o mundo e a vida.

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