Nessas últimas semanas, o brasileiro que estiver no exterior e ler a
revista semanal de maior circulação no Brasil pode pensar que, nesses dias,
houve alguma revolução social no país. Também os grandes jornais da imprensa
brasileira atacam o governo, como se a presidente da República tivesse dado um
golpe de Estado. Quem acompanha a imprensa brasileira sabe que, em geral, essa
é muito conservadora e defende a democracia apenas quando essa favorece seus
lucros.
No tempo da ditadura militar, com exceção de algumas raras exceções,
esses jornais e revistas sempre apoiaram e procuraram legitimar a ditadura e
mesmo a repressão aos militantes de esquerda. Agora, em nome da democracia,
esses mesmos comunicadores atacam o governo e especificamente o decreto 8243/ 14
assinado pela presidente Dilma criando a Política Nacional de Participação
Social (PNPS) (...)
A revista fala em "sovietização” do Brasil, enquanto no Congresso,
um deputado pernambucano do DEM denuncia que, através desse decreto de caráter
"bolivariano”, a presidente quer tirar o privilégio do Congresso legislar
para dar poderes políticos a grupos sociais e ao povão.
Esses congressistas e órgãos de comunicação sabem perfeitamente que a
presidente apenas está pondo em prática a Constituição Brasileira que ela jurou
cumprir. Todos conhecem a lei magna que, logo em seu primeiro artigo, declara:
"Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente nos termos dessa Constituição”. Se a participação cidadã é
prevista na lei, seja através da representação parlamentar, seja de modo
direto, ninguém pode acusar a presidente por ter procurado organizar como essa
participação direta das organizações e grupos sociais pode se concretizar.
Aliás, isso foi um dos pedidos das massas que saíram às ruas em junho de
2013 para pedir mais participação nas decisões políticas. Por isso, através da
internet, mais de cem intelectuais brasileiros, comprometidos com as causas do
povo se manifestaram apoiando a iniciativa da presidente. Muitas dessas pessoas
não pertencem a partidos políticos. Várias têm sérias críticas ao atual
governo. No entanto, saíram em campo com um manifesto em defesa do decreto
presidencial. A cada dia, esse manifesto colhe mais assinaturas em favor da
Política Nacional de Participação Social. O único risco de "revolução
social” no Brasil, como ocorre na Europa, vem de grupos de direita que tornam a
democracia praticamente inexistente e impõem a ditadura do mercado.
Em direção oposta, o objetivo declarado do decreto presidencial é
justamente "fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias
democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública
federal e a sociedade civil”. Se isso funcionar, teremos, pela primeira vez em
nosso país, a aproximação desejada entre o Estado e a população. Por isso, essa
democracia participativa é um instrumento importante de exercício da cidadania,
está em plena obediência ao espírito da Constituição Federal e em nada
prejudica ou diminui a democracia representativa, ou seja, a função própria do
poder legislativo.
O decreto presidencial explicita como diretrizes: I – o reconhecimento
da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia; II
- complementariedade, transversalidade e integração entre mecanismos e
instâncias da democracia representativa, participativa e direta; III -
solidariedade, cooperação e respeito à diversidade de etnia, raça, cultura,
geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica
ou de deficiência, para a construção de valores de cidadania e de inclusão
social; IV - direito à informação, à transparência e ao controle social nas
ações públicas, com uso de linguagem simples e objetiva, consideradas as
características e o idioma da população a que se dirige; V - valorização da
educação para a cidadania ativa; VI - autonomia, livre funcionamento e
independência das organizações da sociedade civil; e VII - ampliação dos
mecanismos de controle social.
Os setores que se mobilizam contra esse decreto sempre atuaram contra a
democracia e agora manifestam o seu destempero quando percebem a sociedade
civil mais organizada e com instrumentos de participação nos destinos do país.
A campanha de desinformação por parte de certos setores da elite continuará,
mas é função de todos os cidadãos e cidadãs valorizar o seus direitos civis e,
tanto na família, como nos grupos de base buscar a verdade e defender o que é
justo.
Para as comunidades cristãs, a palavra "participação social” é a
que traduz o termo grego: Koinonia, que, nas Igrejas, se tornou
"comunhão”. Criar a comunhão é um projeto divino. O termo Igreja foi
inspirado nas assembleias de cidadãos do mundo grego antigo. Paulo trouxe o
termo Igreja para as comunidades cristãs para educá-las à participação de todos
e como um ensaio do que o Espírito Divino propõe para o mundo todo. Paulo
escreveu à comunidade cristã de Corinto: "Através de Jesus Cristo, Deus
nos chamou à comunhão, ou seja à plena participação social” (1 Cor 1, 9).
Por Marcelo Barros - Monge, escritor e teólogo brasileiro.
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