O uso e o quase abuso dos diminutivos pontilhavam sempre as
palavras e o discurso de Vinicius de Moraes. E, por isso, só consigo referir-me
a ele como "o poetinha”. Mas, não vá nisso nenhuma insinuação de que fosse
um poeta "menor” ou menos importante...
O diminutivo aí não atinge nem afeta a qualidade. É questão
de estilo. Estilo informal, meigo, próximo e coloquial. Estilo amoroso e
carinhoso, sobretudo quando se tratava de cantar a mulher, esse ser que ele
apreciava e admirava mais que tudo e que não cessou de cantar com sua inspirada
lira.
Até a Pátria, o Brasil tão amado que tanto lhe doía na
saudade dos exílios diplomáticos, Vinicius chamava no diminutivo:
"Patriazinha”. "Não te direi o nome, pátria minha/ Teu nome é pátria
amada, é patriazinha.” Distante das grandiloquências das quais é pródigo nosso
hino –lábaro estrelado, mãe gentil, terra garrida– o poeta só se refere à
pátria com um misto de ternura e compaixão que o faz ter sentimentos
paterno-maternais para com a nação que deveria inspirar-lhe ardores fiéis e
filiais.
Esse jeito carinhoso de ser, de voltar-se com ternura para
tudo que existe, Vinicius o derramou em sua poesia, sobretudo nos versos em que
cantou o amor, a mais bela experiência humana. E parece-me que raros poetas o
fizeram como ele.
Vinicius amou e foi amado. Intensamente, prodigamente,
pluralmente. Sentiu a maravilha de ser amado e a dor de não mais o ser.
Arriscou-se em amores desesperados e colheu solidões que pareciam não ter fim.
Sentiu a magia dos corpos reunindo-se e explodindo em vida com sabor de
eternidade e mastigou a dura e amarga experiência do final do êxtase e da queda
na banalidade.
Por isso escreveu tão bem sobre o amor entre o homem e a
mulher, "que não seja imortal, posto que é chama/ mas que seja infinito
enquanto dure”. Avisou aos mais jovens e inexperientes que "são demais os
perigos desta vida/ pra quem tem paixão”. E entoou o lamento que mais o
imortalizou, ao proclamar sem medo que "tristeza não tem fim/felicidade
sim”. Especialmente sensível era o poetinha à fragilidade dos momentos felizes,
à vulnerabilidade das exaltações momentâneas da paixão. Sabia por experiência
própria que amanhã jazeriam mortas de velhice, ou de desgaste, ou de cansaço. E
"de repente do riso se faria o pranto... e das bocas unidas a espuma... e
das mãos espalmadas o espanto.”
Sua lira não parava de extasiar-se e reinventar-se diante da
mulher, de seu encanto, sua graça, sua beleza. De certa forma, impiedoso:
"As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental”, continuava,
porém delicado, sensível e deslumbrado a dizer que era "preciso que o
rosto da mulher adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro
minuto da aurora.” Não importa se vestida de alta costura ou de azul como na
revolução chinesa, o poetinha louvará sempre a mulher, que "em sua
incalculável imperfeição / constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda
a criação inumerável”.
Porém crítico era igualmente o poetinha com as antimulheres:
"as mulheres inorgânicas/frias estátuas de talco/com hálito de champagne/
e
pernas de salto alto”; mulheres a quem "o gênio enfastia/ e a estupidez diverte”.
Atento à justiça e
à injustiça à sua volta, amava a mulher que não
se deixava tragar na futilidade como em gelado ataúde
de cristal, nem se mascarava com maquiagens de cal.
Vinicius era poeta amante. Feito para a paixão, o carinho e
o cantar da beleza do amor e das parceiras do amor: as mulheres. Compôs muitos
poemas e também canções, levantando bem alto a bandeira da beleza feminina.
Algumas passaram as fronteiras do país e chegaram até todos os hemisférios,
tornando-se verdadeiros hinos como Garota de Ipanema.
Já outras, mais profundas e de difícil assimilação e
conturbada poesia, cantam a mulher como mistério. Como a canção aos olhos da
amada, os quais compara a cais noturnos, cheios de adeus; a docas mansas cheias
dos segredos de navios, de saveiros, de naufrágios. A esta mulher que eram e
que são todas as mulheres, deslumbrantes, maravilhantes, extasiantes, o poeta
cantou durante toda a vida até que o canto se lhe apagou como acontece com a
cigarra.
A mulher amada pelo amável e amante poetinha, Vinicius de
Moraes tinha olhos ateus, mas podia criar esperança nos olhos seus. Pois se
Deus houvera, -afirmava o poetinha, resistente à tentação da fé- fizera-os
Deus. A poesia e a música de Vinicius de Moraes, que se quer ateia e não
batizada, ao contemplar a beleza feminina explode em canto que é louvor sem
instituição, hino sem igreja, júbilo puro pela criação que revela o Criador
ainda que sem dar-lhe nome.
Por tudo isso e mais que isso, em seu centenário, as
mulheres lhe rendem preito. E todos aqueles que buscam o amor em cada passo da
vida curvam-se ante o poetinha, que em sua vida que hoje seria centenária outra
coisa não fez senão cantar o amor.
FONTE: ADITAL
[A teóloga é autora de "O mistério e o mundo – Paixão
por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é
permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico
ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br].
Nenhum comentário :
Postar um comentário