"RASGAI O VOSSO CORAÇÃO E NÃO AS VOSSAS VESTES"

Estamos na reta final de mais um período quaresmal, tempo propício para uma verdadeira conversão tendo como horizonte a solenidade máxima da Páscoa que se aproxima. Assim como um oleiro que cuidadosamente molda com as mãos a argila dando-lhe a forma desejada, da mesma forma, moldemos a nossa vida para que ela ganhe contornos de santidade. A santidade na qual me refiro, não é fuga do mundo, mas uma experiência concreta de profetismo e comunhão com o Deus da vida e Senhor da história(...)

É hora de nos voltarmos decididamente para a construção do Reino de Deus, síntese de toda a pregação de Jesus. Somos artífices desse Reino que consiste necessariamente numa outra lógica de sociedade, de mundo, sem tantas mazelas sociais que ameaçam a dignidade humana. O Reino é o domínio régio de Jesus neste mundo, o que implica numa revolução absoluta, onde todas as coisas realizem suas potencialidades intrínsecas e assim mergulhem num absoluto sentido, chamado Deus. Na verdade, o Reino se constrói no confronto com o anti-Reino, que são forças que desagregam e desviam o ser humano de sua utopia essencial. Ele ganha corpo em movimentos históricos e em pessoas que articulam discriminações, ódios e mecanismos de morte.

Arranquemos de dentro de nós o “coração de pedra” e coloquemos, em seu lugar, um novo coração, um “coração de “carne”, capaz de amar e perdoar - o profeta Ezequiel já alertava. O Profeta Joel dá a tônica para o tempo quaresmal: "Rasgai os vossos corações, não as vossas vestes". (Jl 2,12-18). Vivemos uma mudança de época, em que o sagrado vai sendo substituído pelo ter, pelo ser e pelo poder. O nosso tempo é profundamente consciente da necessidade de se assumir uma responsabilidade coletiva perante os males que afligem a humanidade. Em tal sentido, a Quaresma intenta mobilizar as atenções dos fiéis contra todas as formas de esbanjamento, e estimulá-los a darem-se as mãos, num esforço conjugado. A restauração de todas as coisas em Jesus Cristo tem uma relação muito íntima com o espírito da Quaresma. O próprio Cristo, um dia, nos fará ver a importância da ajuda que prestarmos aos nossos irmãos: “tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber, estava nu e me vestistes” (cfr. Mt 25, 35-36).

Sei que neste mundo plural em que vivemos nem sempre é fácil vivenciar este tempo – ao nosso redor continuam as festas e apresentações, brigas e desamor – mas cabe a cada católico colocar-se a caminho nestes quarenta dias e aprofundar a sua vida de conversão através de uma contrição sincera e dando passos concretos em sua mudança de vida, correspondendo ao dom e à graça que o Senhor nos concede.

Este apelo, que o mesmo Cristo nos faz, dirige-se a todos os cristãos, e nenhum deles poderá subtrair-se a esta interpelação do Senhor. A experiência demonstra que as comunidades cristãs mais necessitadas são as mais sensíveis perante a indigência de outrem. Sim, em todos os lugares e a todos os momentos encontramos Cristo necessitado nas pessoas que nos rodeiam, e este encontro não pode, de modo algum, deixar-nos indiferentes.

É fato que uma das características da nossa época é a consciência comum dos males que pesam gravemente sobre a família humana, mas muitos são os obstáculos que se opõem, em diversas partes, à promoção da dignidade pessoal de cada um dos seus membros.

A Campanha da Fraternidade deste ano quer mostrar que esta problemática é uma obrigação de todos os batizados, pois o modo com o que o homem trata o ambiente influi sobre o modo como trata a si mesmo e vice-versa. Por isso a Igreja quer nos conscientizar de que os deveres que temos para com a ecologia, para com o meio ambiente estão ligados aos deveres que temos para com as pessoas.O Papa Bento XVI nos recorda na mensagem para esta campanha: “O homem só será capaz de respeitar as criaturas na medida em que tiver no seu espírito um sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação. Por isso, a primeira ecologia a ser defendida é a “ecologia humana”.

Que as atitudes pessoais, comunitárias e sociais nos encontrem disponíveis a dar sinais de nossa fé também nessa questão ecológica, procurando aprofundar o que significa “reduzir, reutilizar, recuperar, reciclar, repensar” propostos como gestos concretos.

Que em nossa Igreja diocesana possamos renovar a nossa vida cristã, redescobrindo o nosso Batismo, graça de Deus, que nos impele a sermos autênticos discípulos-missionários. Que nossa pertença batismal nos ajude a viver e conviver em comunidade com os mesmos sentimentos de Jesus Cristo.

Nesta caminhada quaresmal, confiemo-nos a Maria, nossa mãe, que “gerou o Verbo de Deus na Fé e na carne para nos imergir como ela na morte e ressurreição do seu Filho Jesus e ter a vida eterna”.

Que Bom Jesus dos Navegantes ilumine o nosso itinerário quaresmal e nos comprometa cada vez mais com a construção do seu Reino!

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