UM TRIBUTO A DOM ALOÍSIO - PASTOR E PROFETA

Você já teve a sensação de alguém, falecido há algum tempo, permanecer “vivo” em sua vida? Permanecer fortemente presente em seu pensamento, continuar a servir de farol luminoso para o seu agir? Muito mais do que certas pessoas ainda vivas? É assim que nos acontece com personagens marcantes, fascinantes, vibrantes, visionários. É assim que me acontece com Dom Aloísio Lorscheider, cujo terceiro aniversário de morte (23/12/2007) se aproxima. Tenho uma foto dele colada na minha mesa de trabalho, é verdade, mas é a imagem dele que me vem à mente quando penso na Igreja em que acredito. Por que será?(...)

Indubitavelmente, porque Dom Aloísio tinha um perfil próprio, possuía um estilo inconfundível, era uma personalidade. Não se parecia com esta imagem distorcida da fé cristã padronizada e imposta que impera hoje: deslumbrante exaltação de superficialidade, envolta numa aura de sagrado, mas sem quase nenhuma irradiação pessoal. Donos de discursos oficiosos ensaiados, homologados, genéricos e – em última análise – irrelevantes para os destinos do nosso mundo. Cristãos sem estatura própria, meninos de recado, cumpridores solícitos de ordens superiores, que nunca dizem o que realmente pensam, mas somente o que são mandados para dizer em nome da Instituição Eclesiástica. Na hora decisiva, calam-se diante das maiores atrocidades e injustiças que afligem a nossa sociedade. Ao contrário destes cristãos “mornos”, Dom Aloísio era “quente”, na fala e no testemunho pessoal. Quer ver? Então veja:

Na fala: “Estamos fazendo bonitas palestras, pregando belos retiros [...], mas na realidade, não estamos concluindo nada! As grandes iniciativas realmente relevantes não estão saindo, porque ainda não reconhecemos, de fato [...], a função e a dignidade cristã do leigo e da leiga” (MLA* pp.144-145). Ou que tal isto: “O leigo deve ter sua própria condição dentro da Igreja. Não deveriam ser convidados leigos ‘maquiados’ e sim, leigos-leigos” (MLA p.47). “Sem luta e engajamento, não se chega à felicidade verdadeira! [...] Agora, a grande maioria das pessoas, hoje, espera do recurso ao ‘sagrado’, em primeiro lugar, proteção e defesa contra todos os males. A motivação ‘religiosa’ encontra-se muito mais próxima do medo e da insegurança do que da convicção e do compromisso” (MLA p.140). “O que acontece é que os cristãos se tornam cautelosos, não querem se expor. Está desaparecendo a espontaneidade. Para que haja mais espontaneidade deveremos, da parte do episcopado, aceitar a franqueza das pessoas. Um indivíduo que fala com franqueza não quer ofender ninguém, mas quer ajudar: isto está faltando na Igreja!” (MLA p.172). “Foram dois desafios que não foram abraçados: a opção preferencial pelos pobres e a organização das CEBs. É um desastre: a maior parte do clero não acompanha as CEBs!” (MLA p.85). Coragem profética!

E no testemunho: Tenho fotos de Dom Aloísio visitando casas e casebres no Morro do Teixeira/Castelo Encantado, subindo e descendo – na areia das dunas – os becos de favela, levando fé, esperança e amor aos pobres. Guardo ainda hoje recortes de jornal que mostram o mesmo Dom Aloísio em um dos presídios mais perigosos da Ceará, o qual costumava frequentar. Lembro-me como Dom Aloísio criou e equipou o Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos na Arquidiocese, para prestar assistência jurídica às populações indefesas, sobretudo aos indígenas. Foi Dom Aloísio que patrocinou experiências de formação seminarística inserida no meio popular, fora do Seminário. Também foi ele que conseguiu, por sua iniciativa pessoal, reverter uma ordem vinda do Vaticano para despedir os padres casados que atuavam como professores no curso de Teologia. Para não falar do incentivo importante que ele deu à criação da Conferência Nacional dos Leigos no Brasil, que infelizmente, por motivos dúbios, não vigorou até hoje.

Por tantas palavras e atitudes corajosas e marcantes, a figura de Dom Aloísio permanece vivíssima e luminosa para mim. Já não posso dizer a mesma coisa de muitos prelados pasteurizados que hoje desfilam solenemente até desaparecerem, literalmente, na nebulosidade do incenso: às vezes, me lembram os “sepulcros caiados” de quem falava Jesus... – cala-te, boca!

Salve, Dom Aloísio, salve-nos!

Adaptação do texto de Carlos Tursi - teólogo

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