CATÓLICOS CONSCIENTES OU INGÊNUOS? EIS A QUESTÃO...

Grande parte dos católicos – com honrosas exceções, é claro! – sofre de uma doença eclesiológica que os fazem perder de vista a dimensão profética e libertadora próprias do batismo e da essência do cristianismo. Não que seja doença rara – ela tem dominado, seguramente, os últimos anos da história da Igreja. Os sintomas dela são: indiferença diante das questões sociais e políticas, esquecimento e abandono da "quase agonizante" opção preferencial pelos pobres, ênfase no subjetivismo e numa espiritualidade puramente emocional, individualista e desvencilhada da vida concreta, além de outros delírios e patologias(...)

Para os que são acometidos por esta doença, “evangelizar” não significa tanto dar testemunho do amor gratuito de Deus e da esperança cristã em meio às realidades mais sofridas, desumanas, desesperançadas deste mundo (do tipo favelas, hospitais, prisões, submundo dos drogados); significa, antes, proporcionar uma espécie de tarapia coletiva, onde se busca adormecer as consciências e estreitar as mentes numa visão eclesial bem "platônica". Trata-se de uma evangelização que nos torna meros frequentadores de templos, apáticos, tímidos, promotores de solenes liturgias ou rezas poderosas. E a nossa opção pelos excluídos/as, como fica?

Nossa pieguice e nosso jargão intra-eclesial quase hermético nos torna pouco suportáveis a pessoas secularizadas. É hora de mudar o discurso se quisermos avançar para as sonhadas águas mais profundas.

Houve um tempo, porém, em que se quis “encostar” nas realidades mundanas e humanas. Quem ainda se lembra do célebre proêmio da “Gaudium et spes” ? “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Compêndio do Vaticano II, 200).

Surgia, então, o projeto de uma Igreja-companheira da humanidade, em seus caminhos e descaminhos, uma Igreja-aliada na luta por liberdade, felicidade e humanização plena. Recordemos o que escreveu o Pe. José Comblin no livro “Mantenham as lâmpadas acesas” sobre a geração de bispos do “tipo” Aloísio Lorscheider: “A América Latina recebeu de Deus um privilégio excepcional. Houve aqui uma geração de bispos, de quase todos os países, decididos a adaptar a América Latina às transformações sugeridas pelo Concílio Vaticano II. Foi a geração de Medellín. (…)

Foi uma geração testemunha da liberdade evangélica, identificada com os pobres, os excluídos, os marginalizados da América Latina. Todos descobriram a mesma realidade, cada um no seu país, e quiseram aceitar o desafio dessa realidade. Foram como o Bom Samaritano da parábola. Vieram, depois de séculos em que a Igreja não quis olhar o desafio do extermínio dos índios, da escravidão dos africanos, e decidiram lutar contra essa realidade, procurando abrir os olhos da Igreja acostumada ao silêncio e à omissão seculares.

Estes bispos sofreram repreensões e castigos das autoridades e resistência de muitos colegas. Alguns foram realmente perseguidos. Outros morreram assassinados, sem que o martírio fosse reconhecido. Muitas vezes se sentiam sozinhos, objetos de desconfiança, incompreendidos, mas permanecem na memória dos pobres. Dom Aloísio foi um deles” (pp.69-70).

E Dom Helder foi outro. A impressão que dá é que olhamos para o mundo com desconfiança e profundo pessimismo, bradando contra a perda de valores, sobretudo da fidelidade matrimonial e da ”santa” obediência. Não conseguimos dialogar, de igual para igual, com intelectuais e profissionais liberais, mas permanecemos igualmente distantes dos movimentos populares e operários. Não estamos atuando no meio dos ”afastados”, dos secularizados, dos abandonados, dos condenados, das “ovelhas sem pastor”. Parece até que temos medo deles…

Ao invés disso, muitos marcam presença constante na “Caminhada com Maria”, na procissão de São José, no “Queremos Deus” – aí, sim, se sentem “em casa”, em meio aos “seus”: “Vejam como eles se amam…!” Mas, se um outro mundo é possível, um outro catolicismo também deve ser possível…

Adaptação do texto de Carlo Tursi, teólogo e membro de “O GRUPO”

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