OS MITOS QUE INFLUENCIARAM O GÊNESIS

O povo hebreu vivia numa região onde se cruzavam muitos povos e civilizações. Este fato originou um inegável intercâmbio cultural entre eles. Os impérios que dominaram a Mesopotâmia e o Egito, assim como as civilizações da Fenícia e de Canaã, são a fonte literária e histórica do Gênesis e do Antigo Testamento em geral.

Os sumérios e os acadianos, por exemplo, revelam-se fornecedores de costumes, rituais e modelos literários a todos os povos do Oriente Médio. Suas lendas, se consideradas como o primeiro repositório das recordações históricas dos povos do oriente antigo, “se transformaram, se esquematizaram, se reagruparam, mudaram eventualmente de país, se ampliaram, às vezes, desmedidamente” (GRELOT, 1980, p. 13), onde cada cultura apropriou-se de um mito conforme a sua ótica(...)


Não diferente desta regra, os israelitas inovaram ao excluir todo um panteão, centralizando sua fé num deus único, propondo uma desmitização do universo transformando as forças cósmicas ao que de fato são. A situação do homem diante de Deus modifica-se totalmente, “embora, na prática, a adaptação da mentalidade corrente dos israelitas a essa mudança radical se tenha processado lentamente e com dificuldade” (GRELOT, 1980, p. 15), mantendo grande parte do antigo modo de expressar religioso herdado dos sumérios e acádios.

Desta forma, Israel começa a escrever sua própria história, ora compilando fatos de seu próprio povo em grandiosas lendas, ora adaptando mitos antigos à sua realidade e aos seus propósitos. As histórias contidas na parte hebraica da bíblia, embora difíceis de serem datadas pelos anacronismos que ali apresentam, foram compiladas e ordenadas “principalmente, no tempo do rei Josias (640-609 a.C.), para oferecer uma legitimação ideológica para ambições políticas e reformas religiosas específicas”.(FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2001, p. 14).

Eis alguns desses mitos ou poemas que influenciaram os autores sagrados:

EPOPEIA DE GILGAMESH

A Epopeia de Gilgamesh ou Épico de Gilgamesh é um antigo poema épico da Mesopotâmia (atual Iraque), uma das primeiras obras conhecidas da literatura mundial. Acredita-se que sua origem sejam diversas lendas e poemas sumérios sobre o mitológico deus-heroi Gilgamesh, que foram reunidos e compilados no século VII a.C. pelo rei Assurbanipal. Recebeu originalmente o título de Aquele que Viu a Profundeza (Sha naqba īmuru) ou Aquele que se Eleva Sobre Todos os Outros Reis (Shūtur eli sharrī). Gilgamesh provavelmente foi um monarca do fim do segundo período dinástico inicial da Suméria (por volta do século XXVII a.C.).

A sua história gira em torno da relação entre Gilgamesh e seu companheiro íntimo, Enkidu, um homem selvagem criado pelos deuses como um equivalente de Gilgamesh, para que o distraísse e evitasse que ele oprimisse os cidadãos de Uruk. Juntos passam por diversas missões, que acabam por descontentar os deuses; primeiro vão às Montanhas do Cedro, onde derrotam Humababa, seu monstruoso guardião, e depois matam o Touro dos Céus, que a deusa Ishtar havia mandado para punir Gilgamesh por não ceder às suas investidas amorosas.

A parte final do épico é centrada na reação de transtorno de Gilgamesh à morte de Enkidu, que acaba por tomar a forma da uma busca pela imortalidade. Gilgamesh intenta ums longa e perigosa jornada para descobrir o segredo da vida eterna e vem a consultar Utnapishtim, o heroi imortal do dilúvio. Depois de ouvir Gilgamesh, o sábio proclama: "A vida que você procura nunca encontrará. Quando os deuses criaram o homem, reservaram-lhe a morte, porém mantiveram a vida para sua própria posse." Gilgamesh, no entanto, foi celebrado posteriormente pelas construções que realizou, e por ter trazido de volta o conhecimento perdido de diversos cultos para Uruk, após seu encontro com Utnapishti. A história é conhecida por todo o mundo, em diversas traduções, e seu protagonista, Gilgamesh, se tornou um ícone da cultura popular.

Seu registro mais completo provém de uma tábua de argila escrita em língua acádia do século VIII a.C. pertencente ao rei Assurbanipal, tendo sido no entanto encontradas tábuas com excertos que datam do século XX a.C., sendo assim o mais antigo texto literário conhecido, e seria o equivalente mesopotâmico de Noé.

A primeira tradução moderna foi realizada na década de 1860 pelo estudioso inglês George Smith.

Esta epopeia contém a mais antiga referência conhecida ao dilúvio, que é recorrente em várias culturas e que está presente na Bíblia. Esse registro, herdado por tradição oral dos tempos pré-históricos, de acordo com algumas teorias, terá tido a sua origem no final da última era glacial. Outras teorias dizem que foi um tombamento do eixo planetário, causado ou pela gravidade de um meteoro que passou perto da terra durante a época ou pela inversão do polo magnético da terra que acontece de tempos em tempos.

A primeira tradução feita a partir do original para o português foi feita pelo Professor Emanuel Bouzon da PUC-Rio.

Versões de fragmentos atuais desenterrados pela arqueologia atestam entre outras histórias a lenda de dois seres que se amaram, Isa e Ani, geraram uma filha, Be. Porém Ani esteve na floresta de Humbaba procurando por Isa, e dizem que por algum motivo nunca mais se viram. As inscrições em cuneiforme (principalmente o Assírio) atestam que ele nunca desistiu de procurar Isa, e este casal é o fundador do amor mesopotâmico.

EPOPEIA DE ATRA-HASIS

A chamada Epopeia de Atrahasis é um poema épico da mitologia suméria, sobre a criação e o dilúvio universal.

A sua cópia mais antiga data de 1600 a.C., quando a civilização suméria desaparece ante as invasões dos Hititas, e acredita-se esteja liga às tradições próprias do templo da cidade-etado de Eridu, vizinha à antiga foz do rio Eufrates. É um dos mitos de criação mais antigos da região do Médio Oriente, narrando a trajetória de Atrahasis ("o muito inteligente").
POEMA ENUMA ELISH

O Enuma Elish é um poema épico da antiga Babilônia sobre o mito da criação, escrito em sete tábuas de argila descobertas no século XIX, nas ruínas da biblioteca de Assurbanipal, em Nínive, próximo da atual cidade de Mossul no Iraque e data, provavelmente, do século XII a.C., podendo reflectir ideias anteriores, provenientes da civilização sumeriana. Era recitado no quarto dia do festival de ano novo da Babilónia. O nome Enuma Elish foi retirado das primeiras palavras do poema e significa "Quando no alto".

São várias as similiridades entre a história da criação no Enuma Elish e a história da criação no Livro do Gênesis. O Gênesis descreve seis dias de criação, seguido de um dia de descanso, enquanto que o Enuma Elish descreve a criação de seis deuses e um dia de descanso. Em ambos a criação é feita pela mesma ordem, começando na Luz e acabando no Homem. A deusa Tiamat é comparável ao Oceano no Gênesis, sendo que a palavra hebraica para oceano tem a mesma raiz etimológica que Tiamat.

Estas semelhanças levaram a que muitos estudiosos tivessem chegado à conclusão que ou ambos os relatos partilham a mesma origem, ou então uma delas é uma versão transformada da outra.

Nenhum comentário :