SILÊNCIOS QUE FALAM E NOS REVELAM

O silêncio é como um doce sussurro da alma invadindo os recantos mais desconhecidos do nosso ser, lá onde se formam os pensamentos e os sentimentos mais nobres, onde nos desvelamos plenamente. É nessa paz inquietante que mergulhamos nos vales sombrios de nossas mazelas e imperfeições para depois, lentamente, subirmos nos mais altos montes da infindável perfeição humana e divina(...)

No meio desse turbilhão interminável de vozes e gemidos inexprimíveis que agitadamente gritam dentro de nós, nos interpelando, influenciando nossos gestos e olhares, há um tênue e suave murmúrio de Deus que nos acalanta, nos abriga e nos faz discernir os caminhos tortuosos da felicidade. Veredas íngremes, pedregosas e ardis são as que nos levam a nós mesmos e a tão sonhada paz que tanto almejamos ao longo da vida. Somos vocacionados ao silêncio, exegetas do infinito e peregrinos dessas terras inóspitas e misteriosas do nosso íntimo.

O silêncio pode nos levar aos extremos: loucura e sanidade, esperança e desespero, sonhos e angústias, vida e morte. Extremamente embaraçador e precisamente oportuno é o seu toque divinal. Ele arquiteta planos, argumentos, expõe fraquezas e torna-se um bálsamo nas decisões difíceis. Ele perturba porque nos fala e nos coloca diante de nós mesmos, não ameniza a verdade e não distorce a realidade. Quão difícil é olhar pra dentro de nós mesmos. Há que ser um olhar garimpeiro! Há que ser um olhar perscrutador! Há que ser um olhar verdadeiro! Um olhar que saiba decifrar as pequeninas inquietações, mas saiba também enxergar a solução, pra que elas não se tornem fantasmas a nos assombrar pela vida à fora. Olhar pra dentro de nós mesmos, exige um olhar sábio e corajoso, sem meias verdades, sem tergiversações. Quando nosso eu se sente desnudado pela verdade de nosso próprio olhar, há um ressurgimento em nós de uma esperança de total e radical mudança.

Existe uma relação íntima entre o silêncio e a prudência. O padre jesuíta Baltazar Gracian (séc. XVII) achava que “no silêncio cauteloso é que a prudência se refugia”. Ou seja, escolher ficar em silêncio não é valorizar a mudez, mas sim, saber calar de acordo com o lugar ou a ocasião: “Fale pouco, mas nunca pareça mudo e embaraçado...”, dizia uma antiga etiqueta social. Até o filósofo da linguagem, Wittgenstein (séc. XX), alertava que “Aquilo que não se pode falar, deve-se calar”. Enfim, o silêncio pode ser reconhecido como uma virtude que evita polêmicas desnecessárias e brigas perigosas. “Diante de tanta ignorância respondo com meu silêncio”, encurtava Rui Barbosa.

Entretanto, diante da intolerância, do racismo e dos fundamentalismos, devemos ficar em silêncio? Nessas situações, o bom senso entende que “o dever do intelectual é romper o silêncio, ainda que sua voz seja abafada pelos poderosos e seus cúmplices de plantão”. “O grande cúmplice da tirania é o silêncio; não atacar o despotismo é a maneira mais covarde de servi-lo; não denunciá-lo é auxiliá-lo; estar próximo dele sem feri-lo é a maneira mais vil de protegê-lo; e proteger o crime é mil vezes pior que cometê-lo; eis aí a hora em que a palavra é um dever e o silêncio é um crime”.

Silenciar para aguçar o ouvido interior, para entender-nos, revigorar-nos e assim podermos agir em nome dos que tem a sua voz silenciada e sua dignidade ferida. Não se trata de um calar-se sem propósito, mas de um mergulho salutar na fonte inesgotável da vida para buscarmos a nossa centralidade, para nos encontrarmos com a razão maior de nossa existência: Deus.

Essas são verdades inquietantes. Quando fecho os olhos e tento olhar para dentro de mim mesmo vejo de forma turva silêncios reveladores e gritos abafados, possibilidades infinitas muitas vezes condicionadas por estruturas viciadas. Barulhos e barulhos, cansativos padrões e enfadonhos itinerários de vida programada. Somos capazes de mudar os pilares que norteiam a nossa existência?

Quero aquele silêncio fecundo que está na aurora da primavera, no olhar que não precisa dizer mais nada e no nascer do sol a cada manhã. Quero aprender a ouvir o inaudível e deixar que o incompreensível fale mais alto do que a minha vã razão.

Por César Augusto Rocha

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