PRODUZIR E CONSUMIR EM HARMONIA COM A NATUREZA

Viver em harmonia com a natureza é ter compromisso e responsabilidade tanto com as gerações atuais e com todos os seres vivos, sobretudo aqueles mais desprotegidos e excluídos, como também com as futuras gerações.

Sobre esse tema, que será amplamente debatido durante a Campanha da Fraternidade 2011, conversamos com Euclides André Mance, do Instituto de Filosofia da Libertação e do Portal Solidarius, Curitiba, PR. (Endereço eletrônico: euclidesmance@yahoo.com e o site: www.solidarius.com.br)(...)

Mundo Jovem: O que está acontecendo com o nosso planeta atualmente?

Euclides André Mance: Em dois bilhões de anos a natureza foi diversificando a vida complexa, gerando uma grande biodiversidade em todo o planeta. A emergência da espécie humana faz parte desse percurso. O nosso coração que bate é parte da natureza. O sangue que circula pelo nosso corpo é parte da natureza. Mas o capitalismo converteu a natureza em capital natural. Converteu a vida em algo que deve gerar lucro, para que alguns possam acumular mais riquezas, não se importando se o equilíbrio dos ecossistemas está sendo degradado.

Essa lógica de negação da dimensão natural da existência humana, essa cultura de subordinar a vida à acumulação de capital levou a um processo de degradação dos ecossistemas em todo o planeta. Milhares de espécies estão sendo extintas. A vida humana está sendo ameaçada. Mais de um bilhão de pessoas passam fome no mundo e as tecnologias insustentáveis continuam a se desenvolver de forma cada vez mais danosa aos ecossistemas.

Mundo Jovem: Podemos afirmar que vivemos uma crise ecológica?

Euclides André Mance: Exatamente. E precisamos compreender, em primeiro lugar, que a nossa vida depende do ar que a gente respira, depende da água que a gente bebe, depende da comida que nos alimenta e que se transforma em nosso sangue, em nosso corpo. Sem essa percepção de que somos parte da natureza, não haverá solução para a crise ecológica.

Em segundo lugar, é necessário superar a lógica econômica que reduz a natureza a um recurso a ser explorado como capital natural. A vida que, durante dois bilhões de anos veio se diversificando, se sustentando e se reproduzindo em tantas formas diferenciadas, corre o risco agora, em algumas décadas, de marchar para a extinção de milhares de espécies devido aos impactos do desenvolvimento tecnológico insustentável nos ecossistemas, com o efeito estufa, com as chuvas ácidas, com toda a degradação do solo, com o progressivo esgotamento de ciclos naturais autopoiéticos (que se sustentam).

Mundo Jovem: Que alternativas temos?

Euclides André Mance: É fundamental praticar um outro tipo de consumo e de produção, que sejam sustentáveis. É a relação solidária entre as pessoas para o bem-viver de todos que deve dar sentido e limite à consumação das coisas e à proteção dos ecossistemas. Os produtos e serviços devem ser compreendidos como meios materiais para a realização do bem-viver. Não se trata de consumir para ostentar poder. Mas de consumir para realizar o bem-viver das pessoas e coletividades, em equilíbrio e harmonia com os ecossistemas.

A economia solidária é uma alternativa, pois ela é economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente sustentável. É preciso modificar a forma de consumo. Parar de consumir produtos que são tecnologicamente danosos ao planeta. Quando nós compramos um produto da economia solidária, a riqueza gerada vai ser distribuída entre os trabalhadores, em empreendimentos que não têm nem patrão, nem empregado. E esses valores vão ser utilizados para promover o bem-viver dos trabalhadores e consumidores, das comunidades, das pessoas, de modo tal a assegurar a vida de cada um e o direito à felicidade.

É preciso também, com a economia solidária, reorganizar as cadeias produtivas de modo que as energias utilizadas sejam renováveis; que o processo de comercialização seja feito de modo a efetivá-lo como um encontro entre pessoas; que se perceba que em cada produto existe vida humana realizada, e que essa vida humana é absorvida quando nós consumimos esses produtos.

Mundo Jovem: A pobreza também pode ser considerada um desequilíbrio ecológico?

Euclides André Mance: Com certeza. A ecologia deve ser compreendida em suas várias dimensões. Félix Guattari falava de uma ecologia ambiental, social e mental, por exemplo. Quando organizamos ecologicamente os fluxos econômicos em um território, todas as pessoas integradas ao meio ambiente natural e social devem ter condições de obter os meios materiais e simbólicos requeridos para a realização de sua vida nessas dimensões, assegurando-se eticamente o seu bem-viver. Isso significa o direito a um ambiente saudável, ao alimento, vestuário, habitação, educação, saúde, lazer e tudo o que seja requerido à realização ecologicamente sustentável de sua vida humana; direito à vivência de relações sociais solidárias e respeitosas quanto à diversidade de culturas.

Mundo Jovem: É possível “viver bem”, como você fala, sem consumir muito ou cada vez mais?

Euclides André Mance: O consumo é intrínseco a todo ser vivo. Os seres humanos não podem, por exemplo, viver sem respirar. E respirar é consumir oxigênio. Durante todo o dia estamos consumindo as reservas de energia com as quais nos nutrimos. A questão fundamental é reduzir toda forma de consumo insustentável e excessivo e ampliar o consumo sustentável para a realização do bem-viver de maneira equilibrada em relação aos ecossistemas. As pessoas que passam fome no mundo e estão desassistidas dos meios materiais necessários ao seu bem-viver precisam consumir mais, para que possam realizar com dignidade o bem-viver. Por outro lado, as pessoas que consomem de maneira excessiva devem modificar seus hábitos de consumo, para que sejam hábitos sustentáveis. Isso significará consumir menos, mas consumir melhor, ampliando sua qualidade de vida com a redução do consumo insustentável. O bom da vida é consumir para o bemviver. Não é viver para consumir aquilo que o capital espera que consumamos, para que se realizem os lucros das empresas que azem todo o possível para nos vender coisas e serviços que, de fato, não necessitamos.

Mundo Jovem: Como o jovem, que vive sob a pressão da propaganda e do consumo, vai mudar de mentalidade?

Euclides André Mance: A primeira coisa é perceber onde investimos nosso desejo. O tempo todo somos seduzidos e persuadidos a comprar. A juventude é muito suscetível a essa mobilização do desejo. E quando esses desejos seduzidos não se realizam, tem-se a frustração. Mas a mercadoria oferecida como condição de satisfazer o desejo também não aplaca a ânsia do consumo, pois uma nova publicidade gera um novo desejo. E assim a subjetividade do consumidor vai sendo produzida pelas semióticas do capital. Os imaginários são explorados e as utopias agenciadas para mover à compra e realizar o lucro das empresas. O fundamental é justamente investir nosso desejo naquilo que realmente realize o nosso bem-viver. Os desejos singularizantes da vida, em geral, estão associados a vivências realmente humanizadas que temos na relação com outras pessoas que nos desejam por aquilo que somos e não por aquilo que temos. Que gostam da gente e não das coisas que temos. A singularização do desejo deve vir acompanhada de uma elaboração mental, emocional e ene gética em torno do bem-viver de cada qual, que será diverso a cada pessoa, em cada cultura.

Mundo Jovem: A escola pode ajudar nessa mudança de mentalidade?

Euclides André Mance: Com certeza. A escola pode ter um importante papel ao desencadear essa subjetivação que rompe com as semióticas do capital e dá vazão a desejos singularizantes em processos de encontros entre as pessoas, refletindo sobre suas aspirações e utopias de vida. A problematização e o diálogo a respeito dos jogos da publicidade e de como as pessoas são derrotadas nesses jogos - na medida em que seduzidas por eles se afastam do seu próprio bem-viver pessoal e singular para atender aos apelos de consumo alienados - são ações pedagógicas importantes de serem realizadas nas escolas. Refletir sobre o consumo responsável e solidário, sobre a economia solidária, que gera os meios econômicos de maneira sustentável e democrática, colabora para essa mudança de mentalidade. Mais do que fazer apenas uma crítica, o importante é um trabalho pedagógico que contribua para a desalienação não só da consciência mas especialmente dos desejos, da sensibilidade, desencadeando novas atitudes.

FONTE: SITE MUNDO JOVEM

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