PARA ONDE VAIS IGREJA?

Certa vez, estava participando de uma missa dominical e por alguns instantes, lançando um olhar amplo sobre aquela assembleia que mais parecia "assistir" aquele ato litúrgico do que propriamente "participar" dele, comecei a pensar sobre as grandes motivações de nossa fé cristã e a realidade gritante que assola o nosso laicato. Dom Paulo Evaristo Arns, em uma de suas palestras disse certa vez: "É incrível ver igrejas tão cheias de fiéis e fiéis tão vazios de Igreja". Esta profícua constatação nos leva a perceber com preocupação o quanto precisamos ainda ser evangelizados e consequentemente sairmos da periferia de nossa espiritualidade(...)

Uma autêntica espiritualidade cristã nos torna homens e mulheres novos, proféticos, ousados, questionadores e portadores de esperança principalmente para os pobres. Não é isso que tenho constatado em nossas lideranças leigas e em nossas frágeis catequeses. Não se trata de ter uma visão pessimista dos rumos de nossa Igreja, ao contrário, são muitos os sinais de esperança e renovação que surgem aqui e acolá, nos fazendo ainda acreditar no projeto de Jesus Cristo, o profeta de Nazaré. Porém, há indícios de conservadorismo, clericalismo e alienação muito enraizados na caminhada eclesial de nossos leigos/as.

Claro que tudo isso tem uma razão de ser! Pesa sobre os nossos ombros séculos de submissão eclesial. Analise comigo: no linguajar do Vaticano II os leigos foram promovidos. Desde então foram publicados muitos documentos excelentes sobre os leigos na Igreja. Os documentos da CNBB são particularmente excelentes e mostram a qualidade dos assessores que assistem os bispos. Porém, na prática, você acha que algo mudou? Os leigos não têm mais poder, mais autonomia do que antes. Tudo ficou nas palavras, porque nada mudou na instituição. Durante o pontificado anterior foi publicado um Catecismo católico. Qual foi a participação do povo de Deus na preparação desse catecismo? Nenhuma. Nem se sabia quem eram as pessoas que estavam elaborando esse catecismo. Foi publicado um novo Código de Direito Canônico. Qual foi a participação do povo cristão na redação desse código? Nenhuma. Os leigos, infelizmente, não tiveram participação significativa nesses documentos. O Espírito Santo não sopra sobre nós, leigos/as? Devemos aceitar tudo sem reclamar? Antes disso houve reformas litúrgicas. O povo cristão foi consultado? Não. O que dizem os documentos fica nas palavras. Na prática, tudo continua como sempre: um relacionamento de poder e uma pastoral de poder. É isso que deve mudar, se quisermos evangelizar este mundo novo em que ora estamos mergulhados.

É preciso estar em comunhão com o clero e não numa submissão cega. Olhemos para a prática de Jesus Cristo, que sendo o Filho de Deus lavou os pés de seus discípulos num gesto de profunda humildade e amor. Tudo isso para nos mostrar que em seu grupo não deve haver maiores ou menores, patrões e servos, mandatários e subservientes. Este é o desafio prático ainda não assumido coletivamente pela Igreja: reconhecer que não se pode mais evangelizar a partir de uma posição de poder, mas apenas numa relação de seres humanos iguais.

Outro aspecto importante que precisamos salientar. Como estão as nossas estruturas paroquiais? A Igreja mantém nas cidades uma estrutura obsoleta de paróquia. O clero está sendo preparado para atuar dentro do quadro paroquial. Os próprios religiosos estão integrados em paróquias. Ora, estruturalmente, a paróquia é feita para conservar, ajudar, promover os que participam do culto, as pessoas que pertencem à pequena minoria dos que já estão no templo. A paróquia vive em função do templo, ainda que diga o contrário. Em lugar de preparar os cristãos para evangelizar a sociedade, ela se fecha sobre a minoria fiel às instituições do passado.

A paróquia não assume as fábricas nem os supermercados, nem as escolas, nem os colégios, nem as universidades, nem os hospitais, as instituições esportivas, culturais, de diversão, nem os meios de comunicação da cidade. Ela está organizada ao redor dos sacramentos e das festas litúrgicas. Nem sequer consegue organizar a catequese dos adultos, menos ainda sua formação missionária. Ela concentra as energias dos fiéis no próprio templo, em si própria. A Igreja está claramente a serviço de si própria. Não se pode negar as excelentes intenções de muitos párocos, toda a imaginação para fazer uma paróquia missionária. O problema é estrutural. Já foi denunciado por Santo Tomás de Aquino. Depois de 8 séculos ainda não se deu a solução. A consequência é um povo passivo, incapaz de dar testemunho na sociedade, fechado em si mesmo, numa espiritualidade de pura interioridade.

Há muitos leigos e leigas, que trabalham efetivamente como missionários e missionárias, geralmente sem mandato, sem reconhecimento oficial, sem poder, e gratuitamente. São heróis que conseguem tempo e energia e se dedicam à missão com muita generosidade e gratuidade. Haveria muito mais homens e mulheres, se lhes fizesse um apelo, oferecendo-lhes reconhecimento, confiança, autonomia, porque muitos não querem ser simplesmente auxiliares do padre. Quantos milhares de pastores evangélicos surgiram no Brasil ultimamente que se dedicam à pregação, à missão, com entusiasmo, sacrifício e dedicação! São mais de 100.000. Muitos teriam podido ser missionários na Igreja católica, se lhes tivesse oferecido essa missão, confiando neles.

Nossa catequese também precisa ser repensada. Ela, ainda hoje, consiste em educar os cristãos quando são crianças. A catequese se dirige às crianças. Desde o século XIX a pastoral da Igreja concentrou-se nas crianças. Por isso se deu prioridade absoluta às escolas católicas e à catequese infantil. Desta maneira, os adultos cristãos parecem infantilizados. Do cristianismo eles sabem o que lhes foi ensinado quando eram crianças. Nunca aprenderam o que significa ser cristão como trabalhador, cidadão, pai ou mãe de família dentro das circunstâncias e dos obstáculos reais da vida. O resultado é que os meninos educados na catequese católica se tornam evangélicos quando ficam adultos, porque a mensagem dos evangélicos é para os adultos e não para as crianças. A pastoral concentrada nas crianças não tem eficiência na nova sociedade. Já acabou fracassando no século XX.

Pensemos um pouco nessa realidade enquanto nos preparamos para celebrar mais um Dia Nacional dos Leigos/as. Há um despertar, mas ainda falta a participação dos cristãos nesse despertar. Os leigos/as são Igreja, mas precisam reconhecer-se como tal, para que tenhamos uma grande e autêntica comunidade cristã.

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