O ORGANISMO LAICAL - ALGUMAS REFLEXÕES

1. Introdução - Os Organismos do Povo de Deus

O organismo laical, Conselho Nacional do Laicato do Brasil, se insere no conjunto dos Organismos do Povo de Deus, erigidos (aprovados) pela Conferência Episcopal, a CNBB, também ela considerada um de tais organismos.

Para uma reta adequação ao Código de Direito Canônico, tais organismos podem ser conferências: CNBB - episcopado, CRB - religiosos e religiosas, CNIS - institutos seculares e CNLB - laicato, ou comissões: CNP - presbíteros e CND - diáconos. Há, dentre todos, uma clara dificuldade de entendimento e interpretação do organismo laical. O que é? O que faz? É necessário? Isto faz com que, em muitas igrejas particulares o organismo laical não exista ou porque o bispo não o quer ou porque os leigos e leigas não sentem a sua necessidade(...)


De nossa parte temos a firme convicção de que o organismo laical é essencial para a reta conformação da COMUNHÃO ECLESIAL. A comunhão eclesial é a condição “sine-qua-non” para a própria Igreja ser. Não há Igreja se não há comunhão, ou, em outros termos, a Igreja ou tende para a comunhão ou tende a não ser Igreja.

Por quê?

Para responder a isso, vamos refletir um pouco sobre o que é (ou o que deve ser) o organismo eclesial. No nosso caso, o Conselho de Leigos e Leigas, quer seja em nível nacional, regional ou (arqui)diocesano.

2. Evitemos confusões

O Conselho de Leigos e Leigas não é um EVENTO, ou seja, uma prática que está presente e se resolve na estrutura eclesial da Igreja, assim como a catequese. Na verdade, o Conselho de Leigos e Leigas pode e deve organizar eventos.

O Conselho de Leigos e Leigas não é um PROJETO que tem começo, meio e fim, assim como as missões que se desenvolvem em determinado lugar na diocese.

Muitas vezes se confunde o Conselho de Leigos e Leigas com uma nova pastoral. “Você pertence à pastoral dos leigos?”, perguntam muitas vezes aos membros dos conselhos.

Não! O Conselho de Leigos e Leigas não é uma nova pastoral. Não é ação de Igreja! É organismo de Igreja. Seus membros podem e na verdade a maioria é agente de alguma pastoral em sua comunidade ou paróquia. Entretanto, não confundir Conselho de Leigos e Leigas com uma nova pastoral.

Ah! Já entendi! O Conselho de Leigos e Leigas é um movimento.

Não!

Os leigos e leigas pertencentes aos diversos movimentos e associações laicais também podem (e devem) pertencer ao Conselho. De fato, o Cursilho, os Folcolares, a Legião de Maria, o CVX e muitos outros participam ativamente do Conselho de Leigos e Leigas.

Mas o Conselho não é um novo movimento. É um organismo!

O Conselho de Leigos e Leigas é um ORGANISMO ECLESIAL. Aliás, melhor dizendo, o Conselho de leigos e Leigas é um ORGANISMO DA COMUNHÃO ECLESIAL.

Ele é criado pelo desejo, ou seja, ele nasce no interior dos sujeitos eclesiais (não só dos leigos e leigas). Estes e estas, compreendendo-o adequadamente, querem vê-lo articulado, organizado. Dizemos, pois, que o Conselho de Leigos e Leigas é algo subjetivo.

Mas ele também nasce da necessidade objetiva, porque entendendo-o adequadamente os sujeitos eclesiais (não só os leigos e leigas) vêem nele uma estrutura necessária para que os leigos e leigas se constituam como Igreja de forma plena, e não como objetos da ação eclesial.

3. Uma parada para uma conversa sobre sujeito e objeto

Vamos fazer uma parada para uma reflexão filosófica.

Pensemos um pouco na relação que tenho com a caneta com a qual escrevo. Ela não pensa, nem sabe que é caneta. Aliás, ela é caneta porque eu quero que seja. Posso colocá-la deitada no papel e usa-la como régua. Eu não lhe digo nada e ela não me diz nada.

Nesta relação dizemos que existe um sujeito e um objeto. Eu sou o sujeito. Eu me entendo, sei o que sou. O meu ser eu o determino. Quanto à caneta, ela é o objeto. Seu ser, seu significado, sua essência lhe vem de fora. O sujeito é quem determina o ser do objeto.

Assim também na humanidade e, infelizmente, também na Igreja. Nem todos os homens e mulheres podem ser definidos como pessoas, porque existem como objetos, como coisas sem sentido próprio, agindo a partir de significados que lhes vêm de fora. O mesmo se deve dizer para o interior da Igreja, onde, inadvertidamente, muitos e muitas agem sem que tenham consciência plena do que fazem. São objetos eclesiais.

Como dizia Paulo Freire à sua maneira, o objeto não tem consciência de si e de sua situação. Sua consciência é ingênua. A sua plenitude como pessoa só acontece quando ele passa da consciência ingênua para a consciência crítica. Ele olha para si e se vê como pessoa, com significado próprio que ele mesmo constrói. A consciência crítica é a condição necessária para a construção do sujeito e, consequentemente, do sujeito eclesial. (Para um aprofundamento dessa reflexão leia-se “A Educação como Prática da Liberdade”, de Paulo Freire).

Mas o mais importante nisso tudo é que na relação entre as pessoas não pode existir sujeito e objeto. Isto porque o objeto não é uma pessoa, ou seja, se alguém é tratado (ou se deixa tratar) como objeto, este alguém não é pessoa, é coisa. Mas aquele ou aquela que o tem como objeto, que o determina como objeto, também não é pessoa, porque a pessoa não objetifica outra. Se o faz não é pessoa, também não tem consciência de si como pessoa. Em outras palavras, o dominante bem como o dominado são coisas.

Por isso, Paulo Freire vai demonstrar que aquele que é objetificado, que age ou é considerado como coisa, como objeto, ao construir sua própria consciência se entende como sujeito. E nesse momento, livra-se da dominação. Mas aí acontece o mais importante. Ao se constituir como sujeito, a pessoa dá também ao outro o caráter de sujeito. Dizemos, pois, que o processo de construção do sujeito é um processo de libertação das duas partes.

Não estabeleço comunhão com esta caneta, pois não há comunhão entre sujeito e objeto. Só existe comunhão entre sujeitos. Assim, a construção da consciência do sujeito propicia também a construção da comunhão entre os sujeitos.

4. A Comunhão Eclesial

O organismo laical é um organismo da Igreja. Portanto, pertence à Comunhão Eclesial. Por isso, ele não nasce contra a comunhão da Igreja, mas a partir dela. A existência do organismo laical faz com que os leigos e leigas se construam como sujeitos. Só sujeitos formam comunhão.

É preciso se entender que o Conselho de Leigos e Leigas nasce para que a comunhão se faça de forma plena. Por quê? Porque comunhão só acontece e se realiza entre sujeitos, e os leigos e leigas só podem ser sujeitos eclesiais quando se diferenciam dos demais, não como contraposição, não como oposição, mas como complementação. E essa construção do sujeito laical se dá a partir de sua inserção num organismo que tem esse objetivo como fundamento e razão de sua existência.

Por isso mesmo, o Conselho de Leigos e Leigas tem que mostrar a sua importância e o lugar ímpar que ocupa na Comunhão Eclesial. Esse processo é uma conquista que não se obtém, que não se ganha ficando parado, como se do alto viesse uma voz que dissesse: “Este é meu organismo muito amado!” Ao contrário, ele precisa ser formado por leigos e leigas profundamente líderes, absolutamente conscientes de seu papel, e que a ele se dedicam com profundidade.

Mas, lembremo-nos sempre, a construção do organismo laical não é um fim em si. Não esta mos construindo o organismo laical... Para ter o organismo laical. Ele só tem razão em sua existência se toda a sua prática tiver como objetivo final a construção de uma Igreja plena de carismas e ministérios, toda voltada para a ação evangelizadora.

5. Consciência crítica

O Conselho de Leigos e Leigas é formado por um laicato, o mais consciente possível. Consciente de sua pertença à Igreja e de sua laicidade. Em outras palavras, os leigos e leigas que participam do Conselho têm a consciência plena de que, junto com os demais vocacionados, formam a Igreja. Usando uma expressão do Documento de Aparecida, os leigos e leigas dos conselhos sabem-se “com-vocacionados” a formar a comunidade eclesial.

Mas os membros do conselho vão além. Sabem-se leigos e leigas, vocacionados a serem Igreja como leigos e leigas. Por isso não querem e nem buscam substituir ou copiar as demais vocações. Afinal, a comunhão eclesial se dá na totalidade das vocações. E a vocação laical é uma delas, sem a qual a Igreja não se completa.

6. Mas como age o Conselho de Leigos e Leigas?

Numa linguagem menos técnica, dizemos que o Conselho de Leigos e Leigas age “para dentro” mas também “para fora” da Igreja.

6. 1. Ele age “para dentro” da Igreja:

a) quando forma leigos e leigas com uma profunda consciência crítica.

Nesse sentido, os leigos e leigas do Conselho vão se entendendo como sujeitos eclesiais, participantes da comunhão eclesial, e entendem, também, que têm um papel único nessa comunhão.


Como disse a Vanda Conti em uma reunião: “o leigo do Conselho é algo diferente. Aponta para um conceito diferente de Igreja – Igreja Povo de Deus”. Ou como diz o José Luiz: “o Conselho de Leigos e Leigas seduz aqueles leigos e leigas que querem mais, que sentem que há algo mais no ser Igreja (e no ser leigo/a), além das atividades pastorais.” Ou como diz o Walter: “ o participante do Conselho tem um senso mais apurado do ser leigo/a. Sua participação nos conselhos de leigos/as o torna diferente mesmo nas pastorais, na paróquia, e também no mundo. Ser cristão não é cumprir tarefas; é mudar o mundo na direção do Reino.”

b) quando leva os leigos e leigas a construírem a Igreja a partir de sua vocação laical.

O Conselho de Leigos e Leigas busca a formação de um laicato profundamente consciente de sua vocação, de sua missão, e, portanto, do caráter dessa vocação e missão para a construção de uma Igreja verdadeiramente evangelizadora.

O laicato precisa passar da Consciência Ingênua para a Consciência Crítica.

Na Consciência Ingênua, o leigo ou a leiga atuam, agem como tarefeiros, fazendo maravilhosamente bem o que lhes pedem ou que lhes dão para fazer, mas sem a plena consciência de agirem com a liberdade de sujeitos eclesiais.

Ao avançar em sua formação e nas reflexões que faz em grupos, nos encontros de formação, nos cursos oferecidos, os leigos e leigas vão transformando a sua forma de se verem como Igreja, a forma de verem as outras vocações, a forma de verem a Igreja e o mundo. Estão em processo.

Por fim, a partir do momento em que se forma no leigo e na leiga uma consciência crítica ele não deixa de fazer nada do que faz, mas agora não mais cumpre tarefas. Ao contrário, constrói a Igreja plenamente a partir de si, em comunhão de sujeitos com as demais vocações.

Assim, a construção da identidade laical é função básica da existência do conselho. Construção do sujeito. Isto põe:

a) Construção de um sujeito;
b) Construção do sujeito laical;
c) Construção dos demais sujeitos eclesiais;
d) Construção da comunhão eclesial.

c) quando traz os valores positivos da laicidade para a Comunhão Eclesial.

Aparecida diz que os leigos e leigas são Discípulos e Missionários de Jesus Cristo, Luz do Mundo.

Como diz a Sandra: “um laicato forte, atuante, consciente, leva a Igreja a abrir-se às culturas.” A Laicidade é o conjunto de valores que estão presentes no mundo, fora da esfera eclesial. Isto não significa que deve haver um choque entre os valores do mundo e os da Igreja (laicismo). Mas há valores laicos que devem ser introduzidos no seio da Igreja até para que ela dialogue mais adequadamente com as culturas.

Assim, a construção da identidade laical é fundamental para a construção da relação da Igreja com a laicidade porque:

a) O sujeito eclesial traz a laicidade para dentro da Igreja;
b) A laicidade como diálogo permanente e rico entre a Igreja e a realidade sócio-político-econômica e cultural que a cerca.
c) A laicidade como condição “sine-qua-nom” para o verdadeiro projeto de evangelização.
d) A laicidade como contraponto à fuga a-histórica da prática eclesial.

6.2. Mas, e quando o Conselho de Leigos e Leigas age “para fora”?

a) Quando ele reflete a realidade a partir da Palavra de Deus e busca construir estágios de diálogo com a sociedade.

Isto acontece, ou deve acontecer, em toda reunião do Conselho. Mesmo que por breves minutos há que se fazer um olhar crítico sobre os acontecimentos e sobre o que pensam os membros do Conselho sobre eles.

Mas deve ser parte integrante dos projetos do Conselho a constituição de momentos específicos de formação. A Igreja, como um todo, cada vez mais oferece momentos de formação. Mas a formação que ela oferece só busca formar para que os leigos e leigas sejam bons agentes de pastoral. Assim, a formação do Conselho de Leigos e Leigas leva para outro campo: para o de sua específica atuação na Igreja, mas como leigo ou leiga, e no mundo, como cristão.

b) Quando leva os membros da Igreja a refletir as realidades presentes no momento histórico.

O Conselho de Leigos e Leigas deve estar sempre promovendo mesas-redondas, seminários, simpósios, sobre os temas da atualidade, e mesmo sobre o ver a própria realidade.

Nestes momentos formativos e informativos, os leigos e leigas se abrem cada vez mais para o seu papel de Luz do Mundo a partir da Boa Nova de Jesus Cristo.

c) Quando age na formação de uma massa crítica frente aos momentos cruciais da realidade.

Há momentos singulares no ritmo do mundo da sociedade civil: eleições, momentos de crise econômica e política, discussões sobre a vida e a morte, etc.

Nesses momentos, o Conselho de Leigos e Leigas promove debates, faz o estudo dos documentos do magistério da Igreja, para que o laicato, adulto na fé, possa agir conscientemente frente a tais realidades.

d) Quando, em conjunto com outros organismos presentes na sociedade civil, age na construção de uma realidade mais de acordo com o Reino de Deus.

Só para exemplificar, o Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo deu um curso para leigos e leigas sobre os chamados “Conselhos Paritários” ou “Conselhos de Cidadania” (Conselho Tutelar, Conselho da Mulher, da Criança, do Idoso, de Proteção do Meio Ambiente, Saúde, Educação...ufa!). E mostrou a importância de os leigos e leigas participarem ativamente desses espaços de cidadania.

E quantas comissões ou grupos de acompanhamento dos legislativos existem, e que se iniciaram a partir dos conselhos de leigos e leigas?

7. E quem são os leigos e leigas que tomam parte no Conselho?

Alguns dizem que os leigos e leigas que participam dos Conselho são diferentes. Talvez, mas a única diferença, se existe, é a sua Consciência Crítica.

Podem participar das mais diversas pastorais. Ótimo! Mas podem também ser aqueles e aquelas que não se prendem a trabalhos paroquiais, mas têm uma inserção no mundo da educação, da saúde, da política, etc. Mas, nesse caso, não precisa e talvez não deva ser uma figura proeminente (político etc)

De todo modo, deve ser um leigo, uma leiga:

a) fiel a seu batismo;
b) que assuma sua laicidade como fator fundamental para:
I – a construção da Igreja;
II – a ação evangelizadora;
III – a construção do mundo desejado por Deus.

8. E o que faz o Conselho de Leigos e Leigas?

Começamos dizendo que o Conselho de Leigos e Leigas deve ter sempre à sua frente a realidade social, política, econômica, cultural e religiosa da diocese, bem como a do Brasil e do mundo. Muitas de suas atividades serão marcadas e encaminhadas a partir de tal realidade. Sempre deverá ser trabalhada a questão do laicato frente a tais realidades.

As atividades a serem desenvolvidas podem ser, entre muitas outras que dependem da criatividade dos membros do Conselho: seminários, debates, cursos de Fé e Política, de Cidadania, de Participação nos Conselhos, manifestações, audiência com autoridades, incentivo de grupos de acompanhamento do Legislativo e do Executivo

Os Conselhos de Leigos e Leigas devem estar sempre articulados com os grupos e movimentos internos na Igreja e que visam uma construção social mais humana: Semana Social, Grito dos Excluídos, Pastorais Sociais, Mutirão...

A mesma coisa deve acontecer com os organismos e movimentos inteiros à Igreja e que têm como escopo um mundo mais humano, a eliminação das injustiças, a luta por justiça num caso específico, Direitos Humanos, etc. O Conselho deve se juntar a tais organismos, movimentos e atividades como ação própria da vocação laical.

Os Conselhos buscarão sempre que necessário, parcerias para a execução de suas atividades com movimentos ou pastorais, entidades da sociedade civil, ONG’s, Universidades.

FONTE: CARLOS FRANCISCO SIGNORELLI

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