
Nós, ocidentais, temos dificuldade de orar devido ao nosso racionalismo. Em geral, ficamos na soleira da porta, entregues à oração que se apóia nos sentidos (música, dança, mirar vitrais ou paisagens etc.) ou na razão (fórmulas, leituras, reflexões etc.)(...)
Orar é entrar em relação de amor. Como ocorre entre um casal, há níveis de aprofundamento entre o fiel e Deus. Uns oram como o namorado que fala demais no ouvido da namorada. Como se Deus fosse surdo e burro. Parecem aquela tia que liga e fala tanto, tanto, que minha mãe deixa o fone, mexe a comida nas panelas e retorna sem que sua ausência seja percebida.
Jesus sugeriu não multiplicar as palavras. Deus conhece os nossos anseios e necessidades. O próprio Jesus, narra o Evangelho, gostava de retirar-se para lugares ermos para entrar em oração. Jesus foi para a montanha a fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus (Lucas 6,12).
Na oração, é preciso entregar-se a Deus. Deixar que ele ore em nós. Se temos resistência à oração é porque, muitas vezes, tememos a exigência de conversão que ela encerra. Parar diante de Deus é parar diante de si mesmo. Como num espelho, ao orar vemos o nosso verdadeiro perfil — dobras do egoísmo realçadas, mágoas acumuladas, inveja entranhada, apegos enrijecidos. Daí a tendência a não orar ou fazer orações que não revirem ao avesso a nossa subjetividade.
Os místicos, mestres da oração, sugerem aprendermos a meditar. Esvaziar a mente de todas as fantasias e ideias e deixar fluir o sopro do espírito no silêncio do coração. É um exercício cujo método a literatura mística ensina. Mas é preciso, como Jesus, reservar tempo para isso. Assim como a relação de um casal arrefece se não há momentos de intimidade, do mesmo modo a fé se debilita se não nos recolhemos em oração.
Oramos para aprender a amar como Jesus amava. Só a força do espírito dilata o coração. Portanto, uma vida de oração se avalia não pelos momentos entregues a ela, mas pelos frutos na vida cotidiana: os valores elencados como bem-aventuranças no Sermão da montanha (Mateus 5, 1-12). Ou seja, pureza de coração, desprendimento, fome de justiça, compaixão, destemor nas perseguições etc.
Orar é deixar-se amar por Deus. É deixar o silêncio de Deus ressoar em nosso espírito. É permitir que Ele faça morada em nós. Sem cair no farisaísmo de achar que a minha oração é melhor do que a sua, como aquele fariseu frente ao publicano (Lucas 18,9-14). Quem ora procura agir como Jesus agiria. Sem temer os conflitos decorrentes de atitudes que contradizem os antivalores da sociedade consumista e individualista em que vivemos.
Orar é subverter-se a si próprio. Centrado em Deus, o orante descentra-se nos outros e imprime à vida a felicidade de amar porque se sabe amado. Parafraseando Jó, antes de orar se conhece a Deus por ouvir falar. Depois, por experimentar. O que levou Jung a exclamar: Eu não creio. Eu sei.
FONTE: CONIC
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