
Aos 21 anos, movido por uma graça especial, escolhe ser carmelita. Várias hipóteses foram feitas sobre essa sua escolha, mas não se chegou a uma conclusão. Aliás, nunca se saberá por que alguém se decide por um estilo de vida ou por uma família religiosa em lugar de outra.
No Carmelo, depois do noviciado e da profissão, o encontramos na cidade cultural de Salamanca, no estudo da Filosofia e da Teologia, para se preparar para sua ordenação sacerdotal. Traz em si a insatisfação de uma vida por ele considerada medíocre. Encontra dificuldade de relacionamento no grupo, que o “rejeita” e o considera uma “espécie de demônio e de santo”. Ele quer viver com radicalidade o Evangelho de Jesus Cristo, quer ser santo no caminho da austeridade e da oração, quer com sua vida ser uma oferta total a Deus. Nas suas meditações e vigílias de oração amadurece a idéia de tomar, depois da ordenação sacerdotal, o caminho da Cartuxa, a Ordem severa e austera que, mediante a penitência e a solidão total, busca estar sempre com Deus. Mas Deus tem outros projetos para esse pequeno frade. Pequeno de estatura - ele não media 1 metro e sessenta -, mas grande de espírito e de sabedoria. Teresa de Ávila o chamara de “senequita” referindo-se ao sábio Sêneca.
Setembro de 1567 será o “Kairós” do Carmelo: o encontro entre Teresa de Ávila e João da Cruz. Mãe e filho: Teresa, já madura na caminhada espiritual e experimentada nas dificuldades da vida, tem 52 anos, e João da Cruz, recém ordenado sacerdote, tem apenas 25. Nesse encontro ficam fascinados um pelo outro, sentem-se unidos para a fundação de um novo estilo de Carmelo, têm pressa para que isso aconteça logo.
Um encontro rápido, mas decisivo e definitivo. Um ano mais tarde, no dia 28 de novembro de 1568, inicia-se em Duruelo o primeiro convento dos frades carmelitas descalços. Daquele dia em diante, o pão amargo das dificuldades nunca faltará na vida deste pequeno grupo, e a doçura da fidelidade do amor irá sustentá-lo para sempre. Desencontros, polêmicas, dificuldades, cadeias, nada e ninguém pode remover João da Cruz do seu propósito de abraçar a cruz de Jesus como sua maior glória. Na noite do cárcere de Toledo, quando se sente abandonado por todos - não por Deus nem pela Madre Teresa, que sofre com ele - deixa brotarem do seu coração os cânticos do Carmelo: “Noite Escura” e “Cântico Espiritual”. E, quando foge do cárcere em 1579, nada levará consigo a não ser os dois poemas.
João da Cruz sabe que Deus o ama. Retribui esse amor com toda a sua vida, “mesmo de noite”. Aliás, peregrino da noite, apóia-se no bastão da fé, da esperança e do amor desnudo. Não procura consolações, pois sabe que, como mais tarde bem interpretará Teresinha do Menino Jesus: “sua consolação é não ter consolação”.
Primeiro formador dos carmelitas descalços, apreciado confessor das filhas de Santa Teresa, procurado pelos leigos desejosos de encontrar Deus, João da Cruz se faz mestre de todos. Os primeiros carmelitas dão testemunho de que a vida desse homem de Deus era mais celestial que humana. Tudo nele falava de Deus e suas palavras eram embebidas de divina sabedoria. Embora fosse muito silencioso sabia, com sua vida e palavras, transmitir sua experiência amorosa do Deus da vida.
Hoje, os historiadores nos oferecem uma imagem diferente de João da Cruz. Na realidade, ele nunca foi o homem “sisudo, duro, incompreensível, quase terrível”, que foi apresentado, mas foi humano, revestido da ternura de Deus. Quem encontra o Senhor não pode ser duro com os demais, ele o será consigo mesmo, mas não com os outros, pois Deus nos humaniza e nos diviniza.
Fiel ao seu projeto e à herança teresiana, na tempestade da fundação do Carmelo Descalço, João da Cruz prefere permanecer como fermento de vida. Não polemiza, não critica, mas na hora certa, como no capítulo provincial, manifesta o seu pensamento. Sua sinceridade e amor à verdade provocam em alguns confrades uma atitude hostil para com o primeiro carmelita descalço. Obediente, prefere o caminho do México ao compromisso híbrido e ambíguo que quer dominar o entusiasmo e a transparência teresiana.
Mas a providência de Deus não permite que ele seja enviado ao México. Uma doença na perna lhe permitirá purificar-se ainda mais em tudo. Escolhe como convento Ubeda, onde sabe que o superior não comunga com ele nos ideais teresianos. Sofrerá bastante nos últimos meses de sua vida, mas sempre com o sorriso nos lábios e adesão constante à vontade de Deus. Morre serenamente na madrugada de 14 de dezembro, rodeado dos frades, dizendo: “Vou cantar matinas no céu”. E, quando o superior inicia as orações dos agonizantes, João da Cruz encontra forças para dizer: “Não me leiam isto, mas o Cântico dos Cânticos”, e exclama: “Que pérolas preciosas!”.
Depois de mais de 400 anos de sua morte, há cada vez mais interesse pelos seus escritos: psicólogos, teólogos, mestres de espiritualidade de todas as religiões e povos, olham para João da Cruz como alguém que relata suas experiências sem medo de dizer o que aconteceu na sua vida, e como ele se deixou transformar pela ação do Espírito Santo. Somente através da noite poderemos contemplar a beleza da luz.
Peregrino da noite
“Em uma noite escura
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh! Ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.” (1Noite 1).
João da Cruz é poeta e, como tal, sabe dizer as coisas com o mínimo de palavras. Por trás de cada palavra, há longas reflexões e meditações. Devemos agradecer às monjas carmelitas descalças que, não entendendo muitos dos poemas do irmão sábio Frei João da Cruz, pediam-lhe explicações e ele nos dará as explicações de alguns poemas compostos com grande unção espiritual.
A noite sempre provoca medo em nós, mas também esperança, porque sabemos que depois da noite virá a luz, que preenche o coração de alegria e de vida. João da Cruz fala-nos das três noites, por isso gostaria de colocar aqui um trecho da “Subida do Monte Carmelo” (2,1): “A purificação que leva a alma à união com Deus pode receber a denominação de noite por três razões. A primeira, quanto ao ponto de partida, pois, renunciando a tudo o que possuía, a alma priva-se do apetite de todas as coisas do mundo, pela negação delas. Ora, isto, sem dúvida, constitui uma noite para todos os sentidos e todos os apetites do homem. A segunda razão, quanto à via a tomar para atingir o estado da união. Esta via é a fé, noite verdadeiramente escura para o entendimento. Enfim, a terceira razão se refere ao termo ao qual a alma se destina, termo que é Deus (ser incompreensível e infinitamente acima das nossas faculdades) e que, por isso mesmo, pode ser denominado uma noite escura para a alma nesta vida. Estas três noites hão de passar pela alma, ou melhor, por estas três noites há de passar a alma a fim de chegar à divina união”.
Ninguém pode chegar à plena posse de Deus, que é amor e, ao mesmo tempo, “noite e luz”, sem passar pelas noites ativas e passivas. Mas o que é a noite ativa e passiva?
“Resta agora dar alguns avisos sobre a maneira de saber e poder entrar nesta noite do sentido. Para isto devemos observar que a alma, ordinariamente, entra nesta noite sensitiva de duas maneiras, ativa e passiva. Ao que pode fazer e faz por si mesma para entrar, denominamos noite ativa e dela trataremos nos avisos seguintes. Na passiva, a alma nada faz e limita-se a consentir livremente no trabalho de Deus, sob o qual se comporta como paciente.” (1Subida 13,1).
A noite é caminho obrigatório para todos os que se sentem chamados a buscar e a encontrar o Senhor. Ele é luz e não pode ter mistura de trevas; Ele é vida e não pode ter a presença da morte; Ele é amor e nunca pode estar misturado com o desamor.
Quem busca Deus não pode ter medo dos sofrimentos, nem da dor e nem da noite, mas ter o seu espírito dirigido ao mais difícil: “Procure sempre inclinar-se não ao mais fácil, senão ao mais difícil. Não ao mais saboroso, senão ao mais insípido. Não ao mais agradável, senão ao mais desagradável. Não ao descanso, senão ao trabalho. Não ao consolo, mas à desolação. Não ao mais, senão ao menos. Não ao mais alto e precioso, senão ao mais baixo e desprezível. Não a querer algo, e sim, a nada querer. Não a andar buscando o melhor das coisas temporais, mas o pior; enfim, desejando entrar por amor de Cristo na total desnudez, vazio e pobreza de tudo quanto há no mundo.
Abrace de coração essas práticas, procurando acostumar a vontade a elas. Porque se de coração as exercitar, em pouco tempo achará nelas grande deleite e consolo, procedendo com ordem e discrição.
Basta observar fielmente essas máximas para entrar na noite sensitiva. Todavia, a fim de dar a esta doutrina maior desenvolvimento, propomos outro gênero de exercício que ensina a mortificar a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida; coisas que, como afirma São João, reinam no mundo, e das quais procedem todos os outros apetites desordenados...
Para chegares a saborear tudo,
Não queiras ter gosto em coisa alguma.
Para chegares a possuir tudo,
Não queiras possuir coisa alguma.
Para chegares a ser tudo,
Não queiras ser coisa alguma.
Para chegares a saber tudo,
Não queiras saber coisa alguma.” (1Subida 13,6-11).
Em outro momento teremos a oportunidade para refletirmos sobre João da Cruz como o Mestre que nos ensina a lutar contra os vícios capitais que tanto prejudicam a nossa vida espiritual.
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